Luis Arce teve uma gestão econômica desastrosa, com inflação de alimentos básicos próxima a 100%
16 de agosto de 2025, 9h25 Imagem: Sasha India
Álvaro García Linera*
Os partidos de esquerda e progressistas no governo não perdem eleições por causa de trolls nas redes sociais. Nem porque a direita é mais violenta, nem porque as pessoas que se beneficiaram de políticas sociais são ingratas.
Batalhas políticas nas redes sociais não criam, do nada, ambientes políticos e culturais que se expandem entre a maioria das classes trabalhadoras. Elas as radicalizam e as levam por caminhos agitados. Mas sua influência requer, antes de tudo, uma agitação social generalizada, uma disposição coletiva para se distanciar e rejeitar posições progressistas.
Da mesma forma, a extrema direita, autoritária, fascista e racista, sempre existiu. Ela vegeta em espaços marginais de militância furiosa e enclausurada. Mas sua pregação se espalha na esteira da deterioração das condições de vida da população trabalhadora, da frustração coletiva deixada pelo progressismo tímido ou da perda de status entre setores da classe média. E quanto aos que argumentam que a derrota se deve à “ingratidão” dos setores que antes se beneficiavam, esquecem que os direitos sociais nunca foram uma caridade do governo. Foram conquistas sociais conquistadas nas ruas e pelo voto.
Por todas essas razões, sem nenhuma desculpa, um governo progressista ou de esquerda perde eleições por seus erros políticos.
E esses erros podem ser numerosos. Mas há uma falha que une as demais: a incapacidade de gerir a economia, o que envolve tomar decisões que afetam duramente os bolsos da grande maioria de seus apoiadores. No Brasil, o golpe parlamentar de 2016 contra Dilma Rousseff, impulsionado pelas facções mais antidemocráticas do espectro político brasileiro, foi construído sobre o mal-estar econômico que se arrastava há vários anos, e os ajustes fiscais de 2015 adicionaram mais pressão à contração da renda popular.
Na Argentina, o peronismo perdeu as eleições de 2023 devido ao aumento da inflação durante o governo de Alberto Fernández. Embora a inflação tenha sido uma constante na economia argentina por décadas, existe uma barreira histórica que, uma vez ultrapassada, dá origem a uma diluição das lealdades políticas populares, levando-as a se apegar a qualquer proposta, por mais assustadora que seja, que resolva essa sufocante volatilidade monetária. A anomalia política de Milei é uma forma distorcida de canalizar a frustração para o ódio e a punição.
Na Bolívia, o instrumento político dos sindicatos camponeses e organizações comunitárias (MAS) está fadado a perder as eleições devido à desastrosa gestão econômica de Luis Arce. Com a inflação dos alimentos básicos se aproximando de 100%, a escassez de combustível forçando as pessoas a esperar em filas por dias para obtê-lo e um dólar real que dobrou seu valor em relação à moeda boliviana, não é surpreendente que o mais profundo processo de transformação democrática do continente esteja perdendo dois terços de seu voto popular para traidores antiquados que se oferecem para expulsar os povos indígenas do poder, presentear empresas públicas a estrangeiros e, com a Bíblia na mão, consolidar as oligarquias mercenárias da terra na liderança do Estado. Se somarmos a tudo isso o ressentimento das classes médias tradicionais deslocadas de seus privilégios pelo avanço social e empoderamento político das maiorias indígenas, a retórica abertamente vingativa e racializada que cerca o discurso da direita boliviana é clara.
Em todos os casos, há também outros componentes políticos que reforçam esses erros centrais que levam à derrota. No Brasil, denúncias de corrupção, posteriormente manipuladas politicamente. Na Argentina, o cansaço com o lockdown prolongado devido ao coronavírus, que destruiu parte do tecido econômico popular, etc. Na Bolívia, a guerra política interna. De um lado, um economista medíocre que por acaso é presidente e que acreditava que poderia desbancar o carismático líder indígena (Evo) ao bani-lo das eleiçoes. Do outro, o líder que, em seu crepúsculo, não pode mais ganhar eleições, mas que sem seu apoio ninguém ganha, e que se vinga ajudando a destruir a economia sem entender que, nessa hecatombe, sua própria obra também está sendo demolida. O resultado final desse fratricídio miserável é a derrota temporária de um projeto histórico e, como sempre, o sofrimento dos humildes, que nunca foram levados em conta pelos dois irmãos intoxicados por estratégias pessoais.
Em suma, derrotas políticas levam a derrotas eleitorais.
Agora, a questão que se coloca é como governos progressistas e de esquerda puderam fracassar economicamente quando, em seus primórdios, essa foi a força de legitimidade que lhes permitiu vencer eleições repetidas vezes. No caso da Bolívia, com 55%, 64%, 61% e 47% nos primeiros turnos. Certamente, o progressismo latino-americano do século XXI emergiu do fracasso das administrações neoliberais que prevaleceram desde a década de 1980. A maioria implementou políticas de redistribuição de riqueza e expandiu direitos. Os resultados foram imediatos. Mais de 70 milhões de latino-americanos emergiram da pobreza em uma década, instituições reservadas a aristocracias estagnadas foram democratizadas e, no caso da Bolívia, houve uma reestruturação das classes sociais dentro do Estado, transformando os camponeses indígenas em classes com poder estatal direto.
Nisso residia a grande força e legitimidade histórica do progressismo. Mas era também o início de seus limites, pois, uma vez concluído esse trabalho redistributivo inicial, ele começou a se mostrar insuficiente para garantir a continuidade a longo prazo daqueles direitos conquistados. Essa era uma limitação devido ao cumprimento de metas que exigiam a compreensão de que os países haviam mudado justamente por causa do progressismo e que, portanto, era necessário propor a essa nova sociedade reformas econômicas de segunda geração, capazes de consolidar o que havia sido conquistado e dar novos saltos de igualdade. O progressismo e a esquerda estão condenados a avançar se quiserem sobreviver. Ficar parado é perder. A nova geração de reformas exige necessariamente a construção de uma base produtiva expansiva em pequena, média e grande escala, na indústria, agricultura e serviços; nos setores privado, camponês e popular, bem como no Estado; tanto no mercado interno quanto nas exportações, garantindo amplo, laborioso e duradouro apoio à redistribuição da riqueza.
Mas, até hoje, os progressistas no governo, especialmente aqueles que já estão no segundo ou terceiro mandato, ou que buscam governar novamente, estão ancorados em conquistas passadas, em sua defesa melancólica e, diferentemente de quando iniciaram seu primeiro mandato, carecem, por enquanto, de uma nova proposta de transformação capaz de reavivar as esperanças coletivas de um mundo a ser conquistado. Que a direita tenha se apropriado do paradigma da busca por mudança não é coincidência. É resultado do conservadorismo do progressismo atual. E também de suas derrotas eleitorais.
No entanto, o espírito dos tempos históricos ainda não se instalou. Nem o continente nem o mundo, que oscila entre neoliberalismos recarregados, protecionismos soberanistas ou capitalismos de Estado produtivistas, definiram ainda a nova e longa fase de acumulação econômica e legitimação política. Por mais algum tempo, permaneceremos no portal liminar onde derrotas e vitórias são efêmeras. Mas isso não durará para sempre. Se o progressismo quiser permanecer protagonista nessa disputa de destino, é obrigado a lançar-se sobre um futuro ousadamente reinventado, com maior igualdade e democracia econômica.
*Ex-vice-presidente da Bolívia
Tradução – Luiz Sérgio Canário